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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

ESCOLA GOIANA DE DESENHO ANIMADO VAI ATÉ BELO HORIZONTE EM MISSÃO PELO SEBRAE/GO PARA ACOMPANHAR O FESTIVAL INTERNACIONAL DE QUADRINHOS - FIQ 2009



Quadrinhos para todos
por Márcio Jr.
Fotos: Márcia Deretti



As Histórias em Quadrinhos vivem um momento absolutamente curioso no Brasil. Por um lado, vemos um mercado que, além das tradicionais bancas de jornal, se sofistica e passa a ocupar mais e mais prateleiras nas livrarias. Prestigiadas editoras de “literatura séria” abrem selos para a exclusiva publicação de HQs – caso da gigante Companhia das Letras. O Governo Federal assume uma posição inédita e adota os quadrinhos como importante instrumento paradidático.
Na contramão desta aparente e tardia revolução, boa parte do preconceito em relação às HQs permanece, principalmente entre autoridades do poder público. Em pleno 2009, jargões como “coisa de criança”, “subliteratura” e outras asneiras do gênero ainda dão a tônica do senso comum. Primeiro foi o episódio em São Paulo, no qual o governador José Serra achou de mau gosto o álbum de quadrinhos adultos adotado pela sua Secretaria de Educação para crianças do ensino fundamental. Na sequência veio a nossa corruptela local, banindo a obra-prima “Um contrato com Deus” das escolas. Se o responsável pela adoção tivesse se dado ao trabalho de ler a graphic novel do saudoso Eisner, teria percebido que ela é tão infantil quanto Jorge Amado ou Graciliano Ramos. Uma visita ao 6º FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos de BH), ocorrido entre os dias 06 e 12 últimos, poderia ter ajudado a arejar essa nuvem de ignorância.



Mesa sobre quadrinhos alemães com Reinhard Kleist e Jens Harder.
Munido das recém-impressas “Macaco” e “A vida é mesmo uma maravilha”, inauguração oficial da Monstro Comics (nova ramificação da Monstro Discos), cheguei à capital mineira, sede do maior evento de quadrinhos do país. Com público estimado em 40 mil pessoas, a 6ª edição do FIQ se caracterizou por um amplo panorama das potencialidades intrínsecas às HQs. Qualquer leigo que circulasse pelo Palácio das Artes seria capaz de perceber, sem maiores esforços, que os quadrinhos são uma linguagem ímpar e autônoma, capaz de lidar com quaisquer temas e se destinar aos mais diversos públicos. Trocando em miúdos, tal como cinema, música, literatura e artes plásticas, os quadrinhos podem ser infantis, adultos, comerciais, artísticos, sérios, humorísticos, violentos, doces, conservadores, vanguardistas, ficcionais, biográficos, caretas ou doidões.
Mantendo as tradições, dois foram os homenageados neste 6º FIQ, por sua grande contribuição aos quadrinhos e artes gráficas brasileiros. Mais conhecido pelo originalíssimo trabalho nos anos 60 com o personagem Zé Carioca (que de tão brasileiro e distante das fórmulas pasteurizadas da Disney acabou levando à sua demissão do título), o gaúcho Renato Canini recebeu uma bela exposição cobrindo mais de cinco décadas de traço preciso e humor refinado. Paulista radicada em Goiânia, Ciça Fittipaldi, professora da UFG e uma das principais ilustradoras de livros infantis do país, foi a outra homenageada e também ganhou uma exposição na qual a inacreditável sofisticação e riqueza técnica de seu trabalho ficaram ao alcance dos felizardos que ali estiveram.

Canini - homenageado do 6º FIQ.
Dentre as várias exposições, a mais visitada foi, sem dúvidas, aquela relativa a um dos principais ícones das HQs mundiais: Batman. Comemorando os 70 anos do personagem, a exposição atravessou toda a sua história, seja em memorabilia, revistas, bonecos e mesmo em incríveis originais de vários dos principais artistas que já trabalharam com o Homem-Morcego. Dick Sprang, Jerry Robinson, Alex Toth, Bill Sienkiewicz e John Romita Jr., entre tantos outros, estavam ali. Integrando as comemorações do ano da França no Brasil, a mostra “Isso é a França” reuniu um time de primeira linha, dividido meio à meio entre franceses e brasileiros. Uma grande exposição de quadrinhos chineses também marcou presença, mostrando a universalidade da linguagem do quadrinhos. E o Supermercado Ferraille, criação dos franceses Cizo e Franky, faturou alto com a venda de seus impagáveis produtos, tais como leite de boi, mico leão dourado em conserva e Nazaré, a papinha de hóstia.



Supermercado Ferraille - produtos dos cartunistas franceses Cizo e Franky.
Diversas mesas e debates ocorreram no FIQ, algumas delas antológicas, como a que reuniu dois gênios da HQ brasileira: André Toral e Luiz Gê. A polêmica foi grande em seu debate acerca da abertura do Governo Federal à adoção (e conseqüente compra pelos órgãos públicos) de adaptações de obras de literatura e quadrinhos historiográficos como instrumentos paradidáticos. Muito concorridas foram as falas dos artistas que representam o novo quadrinho brasileiro, tais como os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá e o autor de “Mesmo delivery”, Rafael Grampá. Vencedores do Prêmio Eisner, o mais importante e prestigiado dos Estados Unidos, eles têm conquistado um espaço cada vez maior no exterior, sem abrir mão da autoralidade de suas obras. O politicamente incorreto Adão Iturrusgarai esteve presente discutindo a adaptação de sua personagem Aline para as telas da Rede Globo. Tem coisas que só o dinheiro explica...



Luis Gê autografa o clássico "Tubarões".

Bate-papo com Grampa - um dos momentos mais concorridos do FIQ.
Internacional, o FIQ trouxe artistas convidados de vários países, evidenciando a infinita riqueza da produção quadrinística mundial. Da Argentina, Liniers, autor da tira “Macanudo”, autografava seu segundo álbum lançado no Brasil. O badalado Ben Templesmith, autor da HQ que deu origem ao filme “30 dias de noite” marcou presença ao vivo e nas cores estampadas em sua exposição. Menos ficcional, o canadense Guy Delisle mostrou porque é um dos principais autores do gênero jornalismo quadrinístico que tem em Joe Sacco seu maior expoente. A maior surpresa veio, contudo, do espetacular alemão Jens Harder, que ainda não possui nada publicado por aqui. Ilustrador primoroso e quadrinista inovador, Harder se arrisca a contar a história do planeta Terra até o surgimento do homem em um luxuoso álbum de mais de 300 páginas (sem diálogos!) batizado de “Alpha... directions”. E esta é apenas a primeira parte de uma trilogia, na qual a segunda parte, “Beta”, trata da existência do ser humano até os dias atuais – e que terá mais de 700 páginas a serem finalizadas em 2012. Já a terceira parte, a lidar com as possibilidades de futuro do homem, nem o próprio autor consegue prever como ou quando terminará. Mas o grande convidado desta edição do FIQ foi mesmo o norte-americano Craig Thompson, autor da premiadíssima obra autobiográfica “Retalhos”, recentemente lançada no Brasil. Um dos nomes mais expressivos e talentosos da atualidade, Thompson teve palestra lotada e a única fila de autógrafos capaz de rivalizar com a do veterano Maurício de Sousa – que lançava seu álbum comemorativo MSP 50.
Márcio Júnior com o quadrinista Alemão Jens Harder.


Craig Tompson, autor de "Retalhos", recebe a "Macaco".
Mas nem só de quadrinistas célebres viveu o 6º FIQ. Nos stands montados, grande parte da produção independente nacional colocou a cara à mostra, deixando claro o período de grande efervescência que vivem os quadrinhos nacionais – ainda que as editoras não estejam muito atentas a isso. O coletivo 4º Mundo lançou uma série de títulos no evento, inclusive a goiana Grande Clã. Livrarias e editoras marcaram, timidamente, seu espaço. Mas o grande destaque na área foi mesmo o stand ironicamente denominado de Revistas Dependentes. Ali se reuniram as publicações mais alternativas e ousadas do FIQ, tais como a brasiliense Samba, a carioca Tarja Preta, as capixabas Prego e Quase e também nós da Monstro Comics e Escola Goiana de Desenho Animado.


Stand das Revistas Dependentes - publicações mais alternativas e ousadas do FIQ.
Em tempos tão contraditórios para as Histórias em Quadrinhos no Brasil, o FIQ, ainda que tenha seus problemas, é um grande oásis para quem lida, consome ou ama HQs. Mas também pode ser uma bela porta de entrada para quem ainda acha que quadrinho é “coisa de criança” ou “subliteratura”. Vai lá pra ver.

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Márcio Jr. é Mestre em Comunicação pela UnB e Professor do curso de Histórias em Quadrinhos da Escola Goiana de Desenho Animado.
monstrocomics@gmail.com

*artigo publicado no caderno Magazine do jornal O popular no dia 22 de outubro.

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